
Por: Dra. Fernanda Depari Estelles Martins.
Introdução: Um novo olhar para o Código Civil brasileiro
Desde a sua entrada em vigor em 2003, o Código Civil brasileiro tem se mostrado uma das mais importantes normas do ordenamento jurídico, regulando relações privadas e estruturando aspectos fundamentais da vida civil. No entanto, com a dinâmica acelerada da sociedade contemporânea, marcada por transformações tecnológicas, familiares e patrimoniais, torna-se evidente a necessidade de revisão de dispositivos que já não mais atendem à realidade social.
Em meio a esse contexto, o Senado Federal instalou, em 2023, uma comissão de juristas para revisar o atual Código Civil. A proposta tem como objetivo promover uma atualização estrutural e conceitual do texto legal, respeitando seus fundamentos, mas ajustando-o à realidade brasileira de 2025 e aos desafios do futuro.
Entre os temas mais debatidos estão a regulamentação da herança digital, as mudanças nos direitos de cônjuges e companheiros, a inserção da multiparentalidade, a flexibilização da curatela, a atualização das regras sobre responsabilidade civil, entre outros. Contudo, para este artigo, escolhemos abordar com maior profundidade a questão da herança digital, um dos temas mais simbólicos e inovadores da proposta.
O objetivo deste texto é oferecer uma análise clara, objetiva e consultiva sobre o que significam as mudanças no Código Civil, especialmente no que tange à sucessão digital, e quais serão seus efeitos no planejamento patrimonial e sucessório.
O que são as mudanças no Código Civil: fundamentos, propósitos e contexto atual
O Código Civil de 2002 entrou em vigor em janeiro de 2003 e, desde então, sofreu poucas alterações relevantes. Em mais de duas décadas de vigência, o texto consolidou-se como norma central das relações civis, mas também passou a revelar pontos de descompasso com as novas configurações sociais e tecnológicas.
A comissão de juristas criada pelo Senado em 2023 conta com 38 membros, incluindo ministros do STJ, professores e profissionais experientes, sob a presidência do ministro Luis Felipe Salomão. A proposta não é reescrever o código por completo, mas atualizá-lo em seus pontos essenciais, como:
- Família e Sucessões;
- Direito das Obrigações e Contratos;
- Responsabilidade Civil;
- Personalidade e capacidade civil;
- Temas relacionados à tecnologia e à economia digital.
Entre os fundamentos da reforma estão a promoção da igualdade, o respeito à dignidade da pessoa humana e o fortalecimento da segurança jurídica, adaptando institutos clássicos a uma realidade em constante evolução.
Embora ainda não haja previsão para votação definitiva, a comissão segue promovendo debates em seminários, audiências e consultas públicas, com a expectativa de entregar um anteprojeto até o fim de 2025.
Herança digital: o que é e por que precisa ser regulamentada
Com o crescente uso de serviços digitais, redes sociais, contas em nuvem, criptoativos e demais elementos da vida online, surge um novo tipo de patrimônio: o patrimônio digital. Esse conjunto de bens pode ter valor econômico (como criptomoedas e monetização de conteúdo), afetivo (fotos, mensagens, e-mails) ou jurídico (documentos, contratos eletrônicos).
A herança digital refere-se ao direito de dispor, acessar, controlar ou transmitir esse acervo após a morte do titular. Atualmente, o Código Civil não possui previsão específica sobre esse tipo de bem, o que gera insegurança jurídica e conflitos entre herdeiros e plataformas.
A proposta de atualização do Código Civil prevê a criação de regras específicas sobre a herança digital, reconhecendo-a como um direito da personalidade e atribuindo às pessoas a possibilidade de definir, em vida, como esse conteúdo deve ser tratado após sua morte.
Entre os pontos mais relevantes da proposta, destacam-se:
- A possibilidade de transmissão de conteúdo digital por testamento;
- O reconhecimento da existência de bens digitais com e sem valor econômico;
- A obrigação de provedores de acesso manterem os dados por prazo determinado, em caso de falecimento;
- A permissão para que herdeiros solicitem a exclusão de perfis ou a preservação da memória digital.
A regulamentação visa assegurar tanto o direito à intimidade e privacidade do falecido quanto o direito dos herdeiros ao acesso a informações de valor econômico ou sentimental.
Os reflexos da herança digital no planejamento sucessório
A ausência de previsão legal clara sobre a herança digital impõe riscos ao planejamento sucessório. Muitos patrimônios relevantes ficam invisíveis no inventário, dificultando o processo de partilha e gerando perdas econômicas.
Com a eventual inclusão da herança digital no Código Civil, os instrumentos de planejamento sucessório precisarão considerar:
- Cláusulas específicas em testamentos ou escrituras de doação sobre o destino de bens digitais;
- A nomeação de curadores digitais ou gestores de contas digitais póstumas;
- A documentação e rastreabilidade de ativos digitais, com a guarda de senhas e acessos;
- O cuidado com as questões tributárias, especialmente com a incidência de ITCMD sobre ativos como criptoativos e contas digitais.
Escritórios especializados já vêm adaptando suas teses e estruturas de planejamento patrimonial para acomodar a herança digital, sob a perspectiva da legalidade, eficiência e segurança jurídica.
O que esperar das demais mudanças no Código Civil: temas em debate
Ainda que este artigo dê ênfase à herança digital, é importante mencionar que outras mudanças estão sendo discutidas e merecerão análise própria nos próximos artigos da Estelles Advogados. Entre os pontos de destaque estão:
- A revisão dos direitos dos cônjuges e companheiros, com possível equiparação plena entre uniões estáveis e casamentos;
- A multiparentalidade e o reconhecimento legal de mais de dois pais ou mães em registros de filiação;
- A flexibilização das regras de curatela, com maior foco na autonomia da pessoa com deficiência;
- Atualizações relevantes sobre responsabilidade civil e a inserção de parâmetros para danos morais e danos punitivos.
O debate está apenas começando e é fundamental que empresas, famílias e indivíduos acompanhem de perto as evoluções, tendo em vista que essas mudanças legislativas impactarão diretamente suas relações jurídicas.
Considerações finais: um novo código civil para um novo tempo
As discussões em torno das mudanças no Código Civil representam uma oportunidade única de aprimorar o sistema jurídico brasileiro, alinhando-o à complexidade das relações contemporâneas. A inserção da herança digital, em especial, demonstra como o direito precisa dialogar com a tecnologia, sem perder sua base humanista e protetiva.
Com a evolução dos debates ao longo de 2025 e a perspectiva de entrega do anteprojeto nos próximos meses, é recomendável que os cidadãos, empresas e organizações comecem a se preparar. Revisar contratos, atualizar planejamentos sucessórios, repensar estruturas societárias e revisar testamentos pode ser o diferencial entre segurança jurídica e insegurança patrimonial.
A equipe da Estelles Advogados Associados segue acompanhando atentamente os desdobramentos da proposta de reforma do Código Civil. Caso deseje esclarecer dúvidas ou entender como essas mudanças podem impactar sua vida pessoal ou empresarial, nossos especialistas estão à disposição para atendê-lo.
Estelles Advogados Associados: mais de 35 anos de dedicação à advocacia
Somos uma Sociedade de Advogados fundada no ano de 2000, e inscrita na Ordem dos Advogados do Brasil, Secção de São Paulo sob nº 5.402, que, desde a nossa fundação, nos dedicamos a atender a praticamente todas as áreas do Direito Público e Privado.
Seja na esfera Contenciosa, seja na Preventiva, contando, para tanto, com o auxílio de advogados associados, escritórios correspondentes fora do Estado de São Paulo, estagiários, suporte paralegal e de pessoal administrativo, de quem são exigidos os melhores esforços para atendimento rápido e eficaz de seus clientes.
Somamos mais de 35 anos de formação acadêmica e dedicação à advocacia, sempre praticada de forma personalizada e artesanal, na busca da perfeição no atendimento da clientela com respeito à ética e à qualidade dos serviços jurídicos prestados, adequando-se às características e necessidades de cada um.
Dentre as nossas principais áreas de atuação e especialização (Administrativo, Ambiental, Bancário, Concorrencial, Direito do Consumidor, Contencioso Cível, Contratos, Famílias e Sucessões, Imobiliário, Propriedade Intelectual e Societário), levando em consideração o tema central deste artigo, iremos versar um pouco mais a respeito do Direito Tributário, para maior compreensão das nossas frentes de atuação, especialização e assessoria:
- Consultoria sobre a interpretação e aplicação das normas tributárias federais, estaduais e municipais relacionadas a tributos diretos, indiretos e previdenciários;
- Elaboração de defesas e recursos em processos administrativos, bem como de ações judiciais questionando a exigência de tributos nas esferas municipal, estadual, federal e previdenciária;
- Assessoria e análise sobre diversos aspectos fiscais e contábeis relacionados a operações de aquisição de empresas, fusão, cisão, joint venture e demais reestruturações societárias, incluindo planejamento tributário;
- Consultoria sobre preço de transferência, compensações tributárias e revisão de DIPJ;
- Assessoria e consultoria a entidades do terceiro setor com relação a imunidade tributária e incentivos fiscais;
- Assessoria sobre os aspectos fiscais e administrativos envolvidos nas mais diversas atividades ligadas ao comércio exterior, inclusive quanto à utilização de regimes aduaneiros especiais.
Conheça mais sobre o nosso escritório em nossos canais de conteúdo e relacionamento.