
Por: Dra. Fernanda Depari Estelles Martins
O debate sobre a Reforma do Código Civil segue em destaque em 2025, movimentando juristas, parlamentares e a sociedade civil em torno de mudanças estruturais que buscam alinhar a legislação às transformações sociais das últimas décadas. No primeiro artigo desta série, destacamos a ampliação do conceito de família e as novas regras sucessórias envolvendo cônjuges e companheiros, apontando os impactos dessas propostas para famílias e empresas.
Neste segundo artigo, aprofundamos outro ponto sensível e inovador da reforma: a multiparentalidade, ou seja, o reconhecimento jurídico da possibilidade de uma pessoa possuir mais de um pai e/ou mais de uma mãe no registro civil. Esse instituto, que já encontra respaldo em decisões judiciais e em entendimentos doutrinários, ganha força com a proposta de atualização do Código Civil e promete redefinir a estrutura legal das relações familiares e sucessórias no Brasil.
Multiparentalidade: conceito e evolução jurídica
A multiparentalidade consiste no reconhecimento simultâneo de mais de dois vínculos parentais em relação a uma mesma pessoa. Em termos práticos, um filho pode ter, por exemplo, dois pais e uma mãe no registro civil, ou duas mães e um pai, desde que comprovados os laços afetivos e/ou biológicos.
Esse conceito ganhou projeção no Brasil a partir de julgados do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que reconheceram a coexistência da filiação biológica e da filiação socioafetiva. A tese da socioafetividade consolidou-se como elemento jurídico relevante para determinar direitos e deveres entre pais e filhos, ampliando a proteção familiar para além da consanguinidade.
A multiparentalidade, portanto, não é apenas um avanço jurídico, mas também uma resposta a transformações sociais: famílias recompostas, relações homoafetivas, casais que compartilham a criação de filhos e situações em que a figura paterna ou materna socioafetiva exerce papel tão relevante quanto o biológico.
O tratamento da multiparentalidade no Código Civil atual e a proposta de reforma
Embora já exista jurisprudência consolidada, o Código Civil de 2002 não prevê expressamente a multiparentalidade. O texto atual ainda trabalha dentro de uma lógica binária (pai e mãe), o que gera lacunas na regulamentação de situações que já são realidade.
A proposta de reforma busca sanar esse vácuo, incorporando ao texto legal a possibilidade de reconhecimento formal de múltiplos vínculos parentais. Essa previsão normativa tem dois grandes efeitos práticos:
- Segurança jurídica: garante que casos de multiparentalidade não dependam apenas da interpretação dos tribunais, mas contem com previsão expressa em lei.
- Efeitos sucessórios e patrimoniais: com mais de dois pais e/ou mães, os direitos de herança se multiplicam, afetando diretamente a partilha de bens e o planejamento sucessório.
Essa mudança amplia o alcance da proteção familiar, mas também exige uma análise profunda sobre suas repercussões no campo sucessório e tributário.
Impactos sucessórios e patrimoniais da multiparentalidade
Um dos aspectos mais relevantes da multiparentalidade é sua repercussão no direito sucessório. Pela regra atual (art. 1.829 do Código Civil), herdeiros necessários incluem descendentes, ascendentes e cônjuge/companheiro. Com o reconhecimento da multiparentalidade, aumenta-se o rol de ascendentes diretos, o que pode modificar substancialmente a divisão de heranças.
Exemplo prático:
- Se um filho possui três pais reconhecidos (biológico, socioafetivo e adotivo), todos terão direitos e deveres decorrentes da filiação, incluindo a sucessão hereditária.
- Isso amplia a quantidade de herdeiros necessários e, consequentemente, reduz a parcela disponível para testamentos ou disposições patrimoniais unilaterais.
Além disso, surgem reflexos tributários diretos: o ITCMD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação) incidirá sobre uma divisão patrimonial maior, exigindo das famílias e de empresas familiares novas estratégias de planejamento sucessório.
Repercussões sociais e jurídicas da multiparentalidade
A inclusão da multiparentalidade no Código Civil não é apenas uma inovação técnica. Ela representa uma mudança cultural de grandes proporções, ao reconhecer a pluralidade das formas de família no Brasil. Entre as repercussões mais relevantes, destacam-se:
- Proteção ampliada às crianças e adolescentes: mais responsáveis legais para garantir o sustento, educação e cuidados.
- Maior estabilidade em famílias recompostas: evita que vínculos socioafetivos relevantes fiquem desprotegidos juridicamente.
- Desafios práticos: questões de guarda, pensão alimentícia e sucessão podem se tornar mais complexas, exigindo interpretação cuidadosa dos tribunais.
- Equidade entre arranjos familiares: assegura direitos a famílias homoafetivas, multiparentais e não tradicionais.
Desafios e críticas à multiparentalidade
Apesar dos avanços, a multiparentalidade também desperta críticas e questionamentos:
- Complexidade sucessória: aumento no número de herdeiros pode gerar disputas mais acirradas e partilhas prolongadas.
- Reflexos tributários: necessidade de adaptação das legislações estaduais sobre ITCMD.
- Possíveis conflitos de autoridade: em questões de guarda ou de decisões sobre a vida do filho, múltiplos pais/mães podem divergir, exigindo maior atuação judicial.
Esses desafios reforçam a necessidade de planejamento jurídico especializado, especialmente em famílias que já reconhecem vínculos socioafetivos de forma paralela à filiação biológica.
Conclusão
A multiparentalidade, que antes era apenas uma construção doutrinária e jurisprudencial, caminha para se tornar uma previsão legal expressa no Código Civil. Trata-se de uma evolução necessária, alinhada às transformações sociais do século XXI, que amplia a proteção às famílias e oferece maior segurança jurídica.
Contudo, essa inovação também traz novos desafios sucessórios, patrimoniais e tributários, exigindo das famílias, empresas familiares e indivíduos atenção redobrada ao planejamento patrimonial e à gestão de riscos jurídicos.
Se no primeiro artigo desta série destacamos as mudanças na vocação hereditária e na ampliação do conceito de família, agora reforçamos que a multiparentalidade é mais um passo para a construção de um Direito de Família inclusivo, moderno e realista.
Nos próximos artigos, aprofundaremos outras propostas relevantes da Reforma do Código Civil, como a herança digital e os impactos da atualização legislativa nos contratos e nas relações obrigacionais.
Para compreender como essas mudanças podem afetar seu patrimônio, sua família ou sua empresa, a equipe da Estelles Advogados Associados está à disposição para oferecer consultoria jurídica personalizada e de excelência.
Estelles Advogados Associados: mais de 35 anos de dedicação à advocacia
Somos uma Sociedade de Advogados fundada no ano de 2000, e inscrita na Ordem dos Advogados do Brasil, Secção de São Paulo sob nº 5.402, que, desde a nossa fundação, nos dedicamos a atender a praticamente todas as áreas do Direito Público e Privado.
Seja na esfera Contenciosa, seja na Preventiva, contando, para tanto, com o auxílio de advogados associados, escritórios correspondentes fora do Estado de São Paulo, estagiários, suporte paralegal e de pessoal administrativo, de quem são exigidos os melhores esforços para atendimento rápido e eficaz de seus clientes.
Somamos mais de 35 anos de formação acadêmica e dedicação à advocacia, sempre praticada de forma personalizada e artesanal, na busca da perfeição no atendimento da clientela com respeito à ética e à qualidade dos serviços jurídicos prestados, adequando-se às características e necessidades de cada um.
Dentre as nossas principais áreas de atuação e especialização (Administrativo, Ambiental, Bancário, Concorrencial, Direito do Consumidor, Contencioso Cível, Contratos, Famílias e Sucessões, Imobiliário, Propriedade Intelectual e Societário), levando em consideração o tema central deste artigo, iremos versar um pouco mais a respeito do Direito Tributário, para maior compreensão das nossas frentes de atuação, especialização e assessoria:
- Consultoria sobre a interpretação e aplicação das normas tributárias federais, estaduais e municipais relacionadas a tributos diretos, indiretos e previdenciários;
- Elaboração de defesas e recursos em processos administrativos, bem como de ações judiciais questionando a exigência de tributos nas esferas municipal, estadual, federal e previdenciária;
- Assessoria e análise sobre diversos aspectos fiscais e contábeis relacionados a operações de aquisição de empresas, fusão, cisão, joint venture e demais reestruturações societárias, incluindo planejamento tributário;
- Consultoria sobre preço de transferência, compensações tributárias e revisão de DIPJ;
- Assessoria e consultoria a entidades do terceiro setor com relação a imunidade tributária e incentivos fiscais;
- Assessoria sobre os aspectos fiscais e administrativos envolvidos nas mais diversas atividades ligadas ao comércio exterior, inclusive quanto à utilização de regimes aduaneiros especiais.
Conheça mais sobre o nosso escritório em nossos canais de conteúdo e relacionamento.